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Se passares lentamente o rato sobre as palavras com fundo amarelo, verás o seu significado.
Lippo, caçador exímio, foi um dia, com dois amigos, à caça à rena. Percorreram o bosque de manhã à noite e, quando escureceu, procuraram abrigo contra as trevas e o frio numa cabana de troncos. Pernoitaram aí e, ao amanhecer, os três homens voltaram a pôr os esquis. Antes de abandonarem a cabana, Lippo tocou um esqui com o outro e disse:
— Que o dia de hoje me proporcione uma boa presa: uma parte para um esqui, outra para o outro e uma terceira para o meu bastão.
Mal tinham começado a andar, quando se lhes depararam as pegadas de três renas. Seguiram-nas e não tardaram a avistá-las: duas juntas e a terceira um pouco afastada. Lippo disse então aos amigos:
— Podem perseguir as duas. Serão as vossas presas. Eu fico com a que está só.
Proferidas estas palavras, deslizou na neve durante todo o dia, até que a noite o surpreendeu, mas não pôde alcançar a rena, apesar de ser um esquiador muito rápido.
Chegou então a uma herdade e a rena refugiou-se no estábulo, sempre com Lippo no seu encalço. No pátio, encontrava-se o proprietário, um venerável ancião de cabelo e barba brancos.
— Que é lá isso! — exclamou. — Quem é o filho de um sapo que persegue a minha reprodutora fazendo-a suar?
Lippo aproximou-se, saudou-o respeitosamente e replicou:
— Sou eu, mas como não a consegui capturar, vim parar a esta herdade.
O ancião, que era o próprio Tapio, dono do bosque em volta, declarou:
— Bem, se perseguiste a minha reprodutora até ao pôr-do-sol, podes passar a noite nos meus aposentos.
Lippo entrou na casa e ficou maravilhado quando olhou em redor: havia renas, veados, ursos, raposas, lobos e todos os animais selvagens possíveis de imaginar. A seguir, Tapio convidou-o para jantar e serviu-o excelentemente.
Na manhã seguinte, Lippo quis prosseguir viagem, mas não conseguiu encontrar os esquis. Quando perguntou por eles ao dono da casa, este redarguiu:
— Não queres ficar em minha casa e ser meu genro? Tenho uma filha única.
Mas Lippo respondeu:
— Ficaria com o maior prazer, mas sou um homem pobre.
— Isso é comigo! A pobreza não é nenhum defeito. Na nossa casa, terás tudo o que desejares.
E assim, o ancião entregou a filha ao visitante, e o ágil esquiador e caçador ficou como genro na cabana do bosque de Tapio.
Quando haviam passado três anos desde a sua chegada, a filha de Tapio deu-lhe um filho. Lippo quis então visitar a pátria, pelo que pediu ao sogro que o conduzisse lá. No entanto, este último disse:
— Se fizeres uns esquis do meu agrado, autorizar-te-ei a partir.
Lippo dirigiu-se prontamente ao bosque e começou a trabalhar nos esquis. Um pássaro que estava empoleirado no ramo de uma árvore cantarolou:
Ti, ti, apesar de ser uma ave pequena,
dir-te-ei qual é a forma corrente:
afia um ramo apontado ao chão
e cola-lhe a extremidade da frente.
Lippo atirou-lhe uma lasca de madeira, ao mesmo tempo que observava:
— Que estás para aí a cantar, animalzinho pateta?
Terminados os esquis, adornou-os o melhor que sabia e foi mostrá-los a Tapio. Este experimentou-os e apressou-se a afirmar:
— Estes esquis não são para mim.
No dia seguinte, Lippo teve de se dirigir de novo ao bosque para recomeçar a trabalhar. O pássaro, que se achava igualmente presente, cantou:
Ti, ti, apesar de ser uma ave pequena,
dir-te-ei qual é a forma corrente:
afia um ramo apontado ao chão
e cola-lhe a extremidade da frente.
— Estás outra vez com as tuas fantasias? — exclamou ele, furioso, atirando-lhe um pedaço de madeira.
Não fazia a menor tenção de seguir o conselho do pássaro, pelo que cortou os esquis segundo o método usual e foi mostrá-los a Tapio.
— Estes esquis não são para mim — voltou o sogro a dizer.
Quando Lippo, no terceiro dia, chegou mais uma vez ao bosque, deparou-se-lhe novamente o pássaro, com a sua cantilena:
Ti, ti, apesar de ser uma ave pequena,
dir-te-ei qual é a forma corrente:
afia um ramo apontado ao chão
e cola-lhe a extremidade da frente.
Ele reflectiu então: "Está bem, procederei como dizes. Não terás cantado em vão." Pegou num ramo bem nodoso, fixou-o à ranhura estreita da parte inferior do esqui e atou a correia à extremidade da frente, após o que foi mostrar o resultado a Lippo.
— Estes, sim, são meus! — exclamou o sogro, quando os experimentou. — Agora, podes ir à tua pátria.
E acompanhou-o, dizendo:
— Irei à frente e vocês seguirão as minhas pegadas. Onde encontrarem a marca da ponta do meu bastão, deverão pernoitar. Mas constrói a tua cabana com ramos de abeto e paredes espessas, para que não entre a luz das estrelas.
Com estas palavras, Tapio empreendeu o caminho. As ramagens que tinha na parte inferior dos esquis iam produzindo marcas bem nítidas, pelo que Lippo o podia seguir, com a mulher e o filho. Quando começava a anoitecer, viram o sinal do bastão e, junto dele, um veado assado para o jantar. Construíram uma cabana de paredes espessas com folhagem de abeto, cobriram-na com um tecto muito firme e colocaram dentro o pequeno trenó com a criança, após o que se deitaram para descansar.
Na manhã seguinte, prosseguiram viagem, levando um pedaço do veado assado para o caminho.
Ao anoitecer, voltaram a encontrar a marca do bastão e uma rena assada ao lado. Tornaram a construir uma cabana de paredes muito espessas com folhagem de abeto e colocaram dentro o trenó com a criança. Depois de repousarem toda a noite, reataram a marcha, até que, ao anoitecer, encontraram a terceira marca do bastão. Desta vez, havia um galo-selvagem assado para o jantar.
— A pátria não pode estar muito longe, se só nos oferecem um galo-selvagem — exclamou Lippo.
Construíram uma cabana assaz diáfana, colocaram dentro o trenó com a criança e depois deitaram-se. Durante a noite, as nuvens dissiparam-se e a luz das estrelas incidiu neles através do tecto pouco espesso.
Quando acordou de manhã, Lippo não conseguiu encontrar a esposa em parte alguma. Saiu da cabana e esquadrinhou as cercanias, mas não havia o menor vestígio dos esquis de Tapio, e ficou sem saber que rumo deveria tomar, dada a ausência de qualquer rasto. Sentou-se à porta da cabana com o filho, imerso em cogitações. De súbito, passou perto um veado aos berros. À parte isto, não viu nada ao longo de todo o dia e, quando anoiteceu, reconheceu que não lhe restava qualquer alternativa senão pernoitar ali. No dia seguinte, tornou a haver um galo-selvagem diante da porta e o veado voltou a passar aos berros.
Lippo permaneceu muitos anos com o filho na cabana de ramagens de abeto. Todas as manhãs havia um galo-selvagem assado diante da entrada, e o veado aos berros também nunca faltava. A criança cresceu e converteu-se num mancebo inteligente e sensato. Pediu ao pai que confeccionasse um tubo longo para poderem ver se a pátria estava longe. Nos momentos de ócio, Lippo assim fez e, quando terminou, ofereceu-o ao filho. Este utilizou-o imediatamente e exclamou:
— A pátria não é nada longe! Estamos muito perto da nossa terra!
E, com efeito, quando empreenderam viagem, não tardaram a chegar. O jovem veio a tornar-se o patriarca dos lapões. E, com isto, o conto chegou ao fim.
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Era uma vez um homem e uma mulher, que teve um filho depois de sete anos de casada; porém o filho era apenas uma cabeça. Passaram mais sete anos, e a cabeça completou catorze. Quis então ter por esposa a princesa, pelo que solicitou ao pai que lhe pedisse a mão em seu nome.
— Diz a verdade — recomendou-lhe. — Explica como sou, não mintas.
O pai procurou o rei e disse-lhe:
— Majestade, o meu filho deseja a princesa para esposa.
— Que espécie de pessoa é? — quis saber o monarca.
— Não passa de uma cabeça.
— Se, até amanhã, ele me trouxer cinco raposas vivas, talvez lhe conceda a mão de minha filha.
O pai chegou a casa e anunciou:
— Não há nada a fazer, rapaz.
— Não? Porquê?
— Porque o rei quer que, até amanhã, lhe leves cinco raposas vivas. Então, talvez te conceda a mão da filha.
— Estou cheio de calor! Leva-me à porta! — rogou o filho, que ficou fora de casa até à manhã seguinte.
Nessa altura, quando os outros se levantaram, havia cinco raposas vivas diante da entrada, e o jovem indicou ao pai:
— Agora, leva-as ao rei e pede a mão da princesa em troca.
O pai assim fez e disse ao monarca:
— Agora, suponho que concederá a mão de sua filha?
— Só se, até amanhã, o teu filho me enviar cinco ursos vivos.
O pai chegou a casa e anunciou:
— Não há nada a fazer.
— Não? Porquê?
— Porque o rei quer que, até amanhã, lhe leves cinco ursos vivos.
E o jovem voltou a dizer:
— Estou cheio de calor! Leva-me à porta!
O pai apressou-se a comprazê-lo.
Na manhã seguinte, quando os outros se levantaram, havia cinco ursos vivos diante da entrada, e o jovem indicou ao pai:
— Agora, leva-os ao rei e pede a mão da princesa em troca. O pai assim fez e reiterou o pedido da mão da princesa, ao que monarca respondeu:
— Bem, já que ele é um homem capaz de conseguir o que se propõe, diz-lhe que construa um palácio como o meu, e poderá então vir buscar a moça.
O velho regressou de novo a casa e anunciou:
— Não há nada a fazer.
— Não? Porquê?
— Tens de construir, ate amanhã, um palácio como o dele, que contenha tudo o que é próprio de um imperador.
— Leva-me lá fora, querido pai — pediu o jovem.
Enquanto o velho obedecia, o filho acrescentou:
— Se ouvirem muito barulho durante a noite, não se levantem ver de que se trata. Continuem deitados.
Os operários não tardaram a iniciar os trabalhos, e o pai queixou-se:
— Que barulho tão esquisito está a fazer o rapaz, lá fora! Vou ver o que se passa.
Mas a mãe advertiu-o:
— Não ouviste o que ele nos recomendou, esta tarde? Disse que não fôssemos ver.
No entanto, passados alguns momentos, admitiu:
— De facto convinha ver de que se trata.
Agora, todavia, foi o pai que lhe lembrou:
— E o que o rapaz nos recomendou?
Foram, assim, dissuadindo-se mutuamente de ir espreitar. Quando, de manhã, se levantaram, o velho desceu a escada e, ao assomar à porta, ia desmaiando de pasmo. Viu que se encontrava num palácio que resplandecia de ouro e prata. Então, o filho disse-lhe:
— Prepara um tiro de três cavalos, pai.
Aparelharam três cavalos, montaram o jovem na respectiva carruagem e dirigiram-se ao palácio real, a fim de recolher a noiva. O rei manteve a palavra dada e concedeu a mão da filha ao jovem.
Os esponsais realizaram-se pouco depois e comeu-se e bebeu-se com abundância. No entanto, a noiva tinha uma madrasta. Organizou-se a seguir um sumptuoso baile a que a princesa compareceu. E a cabeça do noivo também. O jovem disse então à noiva:
— Ficaste a saber como sou, mas não o divulgues. Não entrarei no salão, pois ficarei no outro, contíguo, à janela. Não penses sequer em revelar a minha natureza, repito. Se o fizeres, partirei a janela e voarei como um pombo, rumo ao Sul.
A princesa compareceu ao baile e, ao vê-la só, a madrasta perguntou-lhe:
— Então, que espécie de homem é o teu esposo?
— Não passa de uma cabeça.
Levou-a consigo para um canto do salão, embriagou-a e continuou a fazer-lhe perguntas. E, já totalmente alheia ao que dizia, a infortunada jovem referiu:
As pernas são de prata até aos joelhos
e os braços de ouro até aos cotovelos.
Na risca do cabelo, há uma estrela, um sol na fronte
e uma lua na nuca.
Quando fala, brotam-lhe flores douradas da boca e do nariz.
No momento em que o jovem ouviu estas palavras, quebrou a janela e partiu a voar em direcção ao Sul. Quando a embriaguez se dissipou, a princesa começou a procurá-lo, mas ele tinha desaparecido. Resolveu então tentar localizá-lo e viajou sete anos num único.
Chegou finalmente a uma pequena casa, entrou e deu os bons-dias.
Os que se encontravam dentro retribuíram a saudação, e ela perguntou:
— Não passou por aqui um viajante?
— Sim, mas já há sete anos. Descansou no sótão e confiou-nos uma encomenda, para que a entregássemos a uma mulher.
Foram buscá-la e, em seguida, ela continuou a sua viagem durante catorze anos, no final dos quais chegou de novo a uma pequena casa, entrou, apresentou saudações, que lhe foram retribuídas, e tomou a perguntar:
— Não passou por aqui um viajante?
— Sim, mas já há catorze anos. Descansou no sótão e confiou-nos uma encomenda, para que a entregássemos a uma mulher.
Na primeira, havia grande variedade de comida e bebida e, na segunda, todo o vestuário de mulher que se pudesse desejar.
Antes que ela se retirasse, as pessoas da casa aconselharam-na.
— Dirige-te à cidade e aguarda no primeiro cruzamento de ruas, onde o verás. É um excelente caçador.
A jovem procedeu como lhe indicaram e postou-se no cruzamento referido. Quando o avistou ao partir para a caça, dirigiu-se-lhe e perguntou:
— E agora, que será de nós, querido amigo? Que faremos, depois de eu vir de tão longe à tua procura?
Ao vê-la, ele abraçou-a e respondeu:
— Querida jovem, não te posso responder até enviar cartas a todos os reinos do mundo a perguntar que matrimónio devo conservar: o actual ou o antigo.
Escreveu a todas as partes do mundo e obteve respostas similares: "Deves conservar o primeiro matrimónio."
Em face disto, ele informou a nova noiva:
— Podes voltar para de onde vieste, pois fico com a minha antiga noiva.
A seguir, empreenderam a viagem — primeiro durante catorze anos e depois sete — até regressarem à pátria. Uma vez aí, voltaram a celebrar os esponsais e encarregaram-me de divulgar todas estas mentiras.
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Era uma vez uma abastada casa de campo em que vivia um camponês com os seus três filhos. Acontecia que, cada vez que ele acabava de proceder à sementeira da Primavera, surgia uma noite de tempestade estival que destruía tudo. E assim sucedeu ao longo de doze anos consecutivos. Finalmente, cansou-se da situação repetitiva e decidiu:
— Vou parar de semear. De qualquer modo, nunca obtenho nada em troca.
O filho mais velho pediu-lhe então que o deixasse cultivar as terras e obteve autorização.
Assim, o jovem adubou o campo e semeou-o. Mas surgiu a noite da tempestade estival e repetiu-se tudo o que costumava acontecer ao velho agricultor.
Na Primavera seguinte, o filho do meio pediu ao pai que o deixasse tentar a sorte. Obtida autorização, trabalhou as terras e procedeu à sementeira. Quando calculou que chegara a noite da tempestade, ficou de vigília. À meia-noite, desencadeou-se um temporal tão furioso que derrubou todas as árvores do bosque. Ele entrou a seguir na casa de banho e depois foi deitar-se. Quando de manhã se levantou, a destruição era tão absoluta como nas vezes anteriores.
Ao chegar de novo a Primavera, o filho mais jovem pediu ao pai que o deixasse também experimentar, mas este último hesitava em o autorizar.
— A única coisa que se consegue é acumular desgraça sobre desgraça!
No entanto, acabou por ceder. Chegada a noite da tempestade, o rapaz ficou de vigília e, quando se aproximava, dirigiu-se a uma ponte que havia no meio da propriedade e deitou-se por baixo.
Pouco depois, três pássaros pousaram nela e, de súbito, transformaram-se em donzelas, que se despiram e atiraram as roupas ao chão. Uma delas adiantou-se até às terras e começou a pisar a sementeira, imitada prontamente pelas outras duas. Naquele momento, o rapaz surgiu de debaixo da ponte e apoderou-se da roupa. Duas regressaram imediatamente e conseguiram arrancar-lhe as suas das mãos, mas a terceira, que não teve tanta sorte, ficou ali. Aproximou-se então do rapaz e perguntou:
— Que será de mim, se me impedires de partir?
— Não te deixo ir com essa facilidade. Primeiro, terás de pagar ao meu pai a colheita de dez anos e a cada um dos meus irmãos a de um Verão.
— Com quê, se não tenho nada?
E, como não tinha coisa alguma para oferecer, ela sugeriu que a desposasse. Quando ele concordou, entregou-lhe um anel e disse:
— Coloca-o no dedo. Indica que estou comprometida contigo.
O rapaz soltou-a e ficou combinado que ele se encarregaria dos preparativos e ela compareceria a uma hora previamente determinada. O jovem mandou publicar os banhos e, na data estabelecida, os convidados compareceram para aguardar a noiva, mas como nunca mais aparecia, o rapaz principiou a preocupar-se. Quando soaram as badaladas do meio-dia, a sua ansiedade acentuou-se. Pouco depois, ouviu um ruído estranho e ela surgiu finalmente numa carruagem puxada por muitos cavalos cinzentos.
A boda foi celebrada com um lauto banquete e o troar de canhões. O rei, que vivia no palácio próximo, enviou um serviçal incumbido de perguntar:
— Porque estão a disparar sem o meu conhecimento?
O homem reapareceu e informou:
— Celebram um casamento. O filho do nosso vizinho uniu-se a uma mulher muito linda.
O monarca decidiu ir ver a noiva e ficou de tal modo deslumbrado com a sua beleza que disse ao noivo:
— Já que conseguiste uma mulher tão maravilhosa, esta noite terás de derrubar todo um bosque de carvalhos.
O jovem ficou apavorado com a ordem e perguntou-se: "Como posso executar esse trabalho gigantesco?" E lamentou-se à esposa:
— Como conseguirei uma coisa dessas?
— Não te preocupes! — aconselhou ela, com desprendimento.
Pediu a uma serviçal que, quando badalasse a meia-noite, mandasse aparelhar o melhor cavalo ruão e o trouxesse para junto da entrada. Em seguida, indicou ao marido:
— Monta o cavalo ruão e dirige-te a galope ao bosque de carvalhos do rei. — Entregou-lhe um pequeno machado e acrescentou: — Quando derrubares o carvalho mais baixo, dirás: "Que caiam todos os carvalhos, juntamente com este!"
Ele assim fez e as árvores foram todas abatidas. Por fim, tornou a montar o cavalo ruão e regressou a casa.
— Como correram as coisas? — quis saber a esposa.
— Estão todas as árvores derrubadas.
Na manhã seguinte, apareceu o rei, que declarou:
— Já que és tão forte, deves erguer todas outra vez.
Ao ouvir estas palavras, o jovem voltou a ficar apreensivo.
— Como conseguirei cumprir uma ordem destas?
Mas a esposa recomendou-lhe:
— Não te preocupes, que isso se fará num abrir e fechar de olhos.
A meia-noite, uma serviçal foi acordá-los.
— Está na hora...
O cavalo ruão já aguardava à entrada, e a esposa recomendou ao marido:
— Quando entrares no bosque, ergue o carvalho mais pequeno e diz: "Eu levanto este, e os outros que se levantem por si!"
Ele assim fez e, com efeito, todos os carvalhos se ergueram de novo. Em seguida, regressou a casa, e a esposa perguntou-lhe:
— Como correram as coisas?
— Todas as árvores estão novamente de pé!
Depois, o rei determinou que procurasse as chaves do seu palácio, as quais se tinham extraviado na época do seu avô.
— Como és tão forte, aposto que não há impossíveis para ti.
O jovem, convencido de que estava mais uma vez em apuros, comunicou à esposa:
— Agora, quer que encontre as chaves do palácio, perdidas no tempo do seu avô.
— Não te preocupes, que hão-de aparecer — assegurou-lhe ela. — Monta-te no cavalo ruão, de manhã cedo, que te conduzirá a uma igreja, cujas portas se abrirão espontaneamente. Entras, pegas nas chaves que estão penduradas na parede ao fundo e, ao saíres, não deves olhar para trás.
Ele cavalgou até à igreja no cavalo ruão, recolheu as chaves e preparou-se para sair. Naquele momento, o espírito protector do templo gritou:
- Que fizeste, jovem? Pegaste em alguma coisa! Pára!
Ele deu meia-volta... e o cavalo atirou-o ao chão.
O molho das chaves soltou-se-lhe da mão na direcção do cavalo e prendeu-se num dos cascos. O animal recolheu-o com os dentes e levou-o à dona, a qual as apresentou ao rei, com as palavras:
— Que terá sucedido ao meu marido, com as coisas que lhe mandas fazer? E muito possível que tenha acontecido urna desgraça.
— Não te preocupes — recomendou o monarca. — Uma mulher como tu não tem dificuldade em conseguir outro marido.
Não obstante, ela esperou o seu regresso durante um ano.
Esgotado esse lapso de tempo, o rei ordenou imperiosamente que o desposasse. Ela não teve outro remédio senão acompanhá-lo à igreja, mas primeiro explicou à serviçal:
— Não acredito que o meu marido volte, mas o que te vou dizer é para o caso de reaparecer. Quando chegar à igreja virá a voar. Repara em que direcção segue e diz-lhe que vivo para além do mar negro e do mar branco, num palácio submerso no mar vermelho. Em todo o caso, não poderá chegar lá, de maneira alguma.
Enquanto o jovem se arrastava penosamente até lá, passou diante de uma igreja, em cujo adro havia três homens, que lhe gritaram:
— Não sigas em frente e vem cá!
Acercou-se e viu que tinham três coisas que queriam repartir. eram idosos e haviam levado toda a vida ocupados com aquela distribuição, mas ainda não tinham conseguido pôr-se de acordo e pediram ao jovem:
— Reparte estas três coisas entre nós.
Referiam-se a um chapéu, um par de botas e uma espada. O jovem pegou no primeiro e perguntou:
— Que se pode fazer com isto?
— Se o puseres na cabeça, ninguém te verá.
Pô-lo imediatamente e perguntou:
— Vêem-me, agora?
A resposta foi unânime:
-Não!
Quando quis saber o que se podia fazer com as botas, informaram-no:
— Numa única passada, podes chegar até onde a tua vista alcança.
— E com a espada?
— Utiliza-se na guerra. Se a empunhares, tombarão todos os teus inimigos.
Num abrir e fechar de olhos, calçou as botas e chegou a voar no momento em que a esposa entrava na igreja. Quando saiu, ela perguntou à serviçal que rumo seguira.
Tinha-se escoado algum tempo desde que ele empreendera o voo para leste. Chegara a uma casa nova, fizera-se passar por tratador de cavalos e deitara-se para dormir atrás da mesa. Entretanto, o hospedeiro e a hospedeira colocaram sobre a mesa comida deliciosa, e o primeiro observou:
— Eu convidava o forasteiro a fazer-nos companhia, mas talvez não lhe apeteça comer.
O forasteiro ouviu o que diziam. O hospedeiro chegou junto dele e, sacudindo-o, disse-lhe:
— Levanta-te, hóspede, e vem comer!
Então, ele levantou-se e exclamou:
— Mas que mesa tão bem servida!
O hospedeiro e a esposa acharam muita graça.
Após o jantar, dormiram toda a noite sem interrupção. Na manhã seguinte, o hospedeiro tratou-o ainda mais cordialmente e mostrou-lhe os seus armazéns. Começou por um cheio de cobre e disse:
— Agora, vamos ver outro.
Este encontrava-se cheio de prata.
Quanto ao terceiro, abarrotava de ouro. Todavia, quando o abandonavam, o hospedeiro olhou em volta e bradou:
— Onde se terá o homem metido?
O jovem pusera o chapéu e enchera a mochila de ouro. O outro fartou-se de o procurar, sem resultado, e terminou por se perguntar de novo:
— Onde demónio se terá metido?
Apercebeu-se então de que faltava uma quantidade de ouro considerável e reconheceu:
— Devia tratar-se de um ladrão, apesar de se fazer passar por tratador de cavalos.
Entretanto, o fugitivo já percorrera uma grande distância através dos campos. Quando tirou o chapéu, o hospedeiro avistou-o e exclamou:
— Lá vai o bandido!
No entanto, o jovem continuou a afastar-se rapidamente, à procura da esposa. Depois de caminhar durante um dia inteiro, chegou ao mar branco. Percorreu então as duas margens e viu uma casa em que vivia uma rapariga que aquecia o quarto e lhe perguntou:
— Para onde queres ir?
Não sem notar que ela tinha um nariz que media seguramente vinte centímetros, respondeu que pretendia chegar ao outro lado do mar.
— Posso levar-te lá no meu barco, mas ficarei com uma das tuas mãos, como forma de pagamento. — Não preferes que te pague em ouro? — perguntou ele. — Tenho a mochila cheia.
— Não, não quero.
A jovem insistiu em que queria a mão antes de empreender a travessia, mas ele solicitou:
— Deixa-ma conservar durante o percurso, para tomar conta do leme, enquanto remas.
Os remos tinham cinquenta braças de comprimento e, depois de se internarem no mar durante algum tempo, os dois passageiros avistaram o outro lado. O jovem pôs então o chapéu e desembarcou, enquanto ela, furiosa, o procurava por todos os lados.
— Onde se terá ele metido? Afinal, não me deu nada: nem o ouro, nem a mão!
O rapaz percorreu a margem do mar negro, até que se lhe deparou outra casa em que vivia uma jovem. Aproximou-se e disse-lhe:
— A tua irmã, que me trouxe do outro lado do mar branco no seu barco, pediu-me que te transmitisse cumprimentos.
Ao ouvir isto, ela vociferou, enfurecida:
— Como é possível que o fizesse sem ficar sequer com uma das tuas mãos como pagamento?
Ele abriu a mochila e explicou:
— Paguei-lhe com ouro, mas ainda me resta muito.
Ela ficou ainda mais furiosa.
— Não o devia ter feito por ouro! — Quando o jovem lhe pediu que o levasse ao outro lado do mar negro, assentiu. — Está bem, mas com a condição de ficar com as tuas mãos. — Encaminharam-se para a beira-mar, e ela indicou: — Trá-las aqui, para que as corte.
— Deixa-me conservá-las durante a viagem, para poder tomar conta do leme. Quando chegarmos, poderás então cortá-las.
— Está bem. Assim farei.
Quando se acercaram do outro lado do mar, ele pôs o chapéu, saltou para terra e deixou a jovem a vociferar no barco. Embora tivesse um nariz que media quarenta centímetros, entendia-se muito bem o que dizia.
Ele seguiu em frente até chegar à praia do mar vermelho, onde se encontrava outra rapariga, a qual, para aquecer o quarto, revolvia a chaminé com o nariz, pois a lenha arde melhor quando se espevita.
— As tuas irmãs mandam-te cumprimentos — disse o jovem.
— Como pudeste chegar até aqui e conservar as mãos? — perguntou ela em voz nasalada. — Deviam ter-tas cortado. Que manas aquelas! Eu lhes conto, quando as vir! Levar-te no barco em troca de ouro, quando deviam ter-te exigido as mãos!... — No entanto, a fúria acabou por se dissipar ao fim de algum tempo e perguntou: — Afinal, aonde queres ir?
— Ao palácio submerso que existe no meio do mar vermelho e de que só se vê uma pequena ponta.
Garantiu-lhe que nunca o vira, apesar de ter percorrido o mar em todos os sentidos. Apesar disso, na manhã seguinte, dirigiu-se à praia e começou a gritar.
— Venham todas as aves do céu! Venham, que quero falar convosco!
Em poucos instantes, acudiram todas, grandes e pequenas, às quais perguntou:
— Viram, no mar vermelho, um palácio de que só assoma uma pequena ponta?
A resposta foi um "Não!" colectivo.
— Está bem. Desapareçam!
Depois de se deixarem de ver, tornou a gritar:
— Venham todos os peixes do mar! Venham, que quero falar convosco!
Não tardaram a aparecer e ela perguntou-lhes:
— Viram um palácio submerso no mar de que só assoma uma pequena ponta?
— Não vimos nenhum palácio!
— Então, desapareçam!
Quase em seguida, surgiu uma baleia e, ao vê-la, a jovem começou a ralhar-lhe.
— Porque chegas tão tarde? Não podias ter vindo com os peixes?
E a baleia referiu o seguinte:
— Quando vinha para aqui, passei por um palácio submerso e fiquei com uma barbatana presa num dos cantos. Foi por isso que me atrasei.
— Bem, podes retirar-te.
No momento em que a baleia se preparava para obedecer, o jovem pôs o chapéu e subiu para cima dela. O cetáceo tomou a passar, nadando, diante do palácio e ele apeou-se. De repente, os habitantes abandonaram o edifício, e a área em volta secou por completo.
Apareceu então uma serviçal que tinha saído para ir buscar água potável para a noiva que outrora fora esposa dele. O jovem ainda usava o anel que ela lhe confiara, quando a surpreendera a pisar as terras semeadas. Apressou-se a retirá-lo do dedo e a atirá-lo para dentro do cântaro de água, após o que entrou no palácio com a serviçal. Mas como tinha o chapéu posto, ninguém o podia ver. Ao pegar no cântaro, a mulher notou que alguma coisa soava e perguntou:
— Que tilinta neste cântaro? — Olhou para dentro e encontrou o anel. — Mas é o que entreguei ao meu marido, quando prometi que casaria com ele! Como terá vindo parar aqui?
O jovem, incapaz de conter a alegria, tirou prontamente o chapéu.
Na manhã seguinte, voaram nas asas dela em direcção à pátria do marido, que declarou guerra ao rei. Assim que empunhou a espada, este último perdeu todas as forças e expirou. Ele converteu-se então em monarca e a esposa em rainha, e a sua dinastia continua a governar nestes dias.
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Num bosque, havia uma casa de campo na qual vivia um homem com o seu único filho. Nas proximidades, erguia-se um grupo de possantes bétulas em que um bando de perdizes de pata branca costumava pousar. O rapaz pedira numerosas vezes ao pai que o deixasse alvejá-las, porém este proibira-o terminantemente de matar uma única. Um dia, o filho impacientou-se, decidiu ignorar a ordem e, sem que o progenitor se desse conta, pegou no arco e numa flecha e atingiu uma das aves. Mas não lhe acertou em cheio, e ela continuou a bater as asas até que acabou por cair. O rapaz tentou capturá-la, mas sempre que se aproximava a perdiz conseguia afastar-se um pouco.
Estes movimentos fizeram com que ele se internasse cada vez mais no bosque atrás dela, até que se encontrou a vários quilómetros de casa.
Ainda persistia na perseguição, quando alcançou uma área de vegetação muito densa e, como começava a escurecer, teve de desistir da perdiz no momento em que esta mergulhou entre o arvoredo, sem deixar rasto.
O rapaz tentou então encontrar o caminho de regresso a casa, mas não sabia que rumo seguir. Deambulou demoradamente de um lado para o outro sem descortinar uma única residência humana e, quando anoiteceu, resignou-se à ideia de ter de dormir no bosque. De repente, avistou Paholainen, que corria perseguido por alguns lobos que lhe mordiscavam os calcanhares. O rapaz pegou imediatamente no arco e visou a alcateia, conseguindo atingir vários, enquanto os outros, espantados, batiam em retirada. Paholainen alegrou-se profundamente por se ter livrado do perigo. Aproximou-se do jovem, agradeceu ter-lhe salvo a vida e prometeu dar-lhe uma boa recompensa, se o acompanhasse a sua casa.
— Não é má ideia dispor de um lugar para passar a noite — admitiu o rapaz. — Vagueei pelo bosque durante todo o dia, sem conseguir encontrar o caminho de regresso a casa.
— Então, vem comigo — insistiu Paholainen.
Quando chegaram, o rapaz foi-se deitar imediatamente, pois estava extenuado da longa caminhada, enquanto o companheiro voltava ao bosque, a fim de procurar alimentos para oferecer ao seu salvador.
Entretanto, a governanta tentou acordar o jovem. Sacudiu-o e gritou-lhe que se encontrava num lugar perigoso e devia retirar-se, mas debalde. Ele entreabriu os olhos por duas vezes, para voltar a mergulhar em sono profundo.
Pouco depois, o velho regressou do bosque e ordenou à governanta que preparasse rapidamente uma refeição, a qual ficou pronta sem demora, e chamaram o rapaz para lhes fazer companhia, mas como não conseguiram despertá-lo, tiveram de comer sós. A seguir, o velho voltou a afastar-se em direcção ao bosque, para reaparecer de novo com alimentos, porém desta vez o jovem também não comeu, devido a continuar imerso em sono profundo. Depois, o velho dirigiu-se pela terceira vez ao bosque.
Durante a sua ausência, o rapaz acordou finalmente e conversou com a governanta, a qual já não o aconselhou a partir, pois entretanto inteirara-se de que salvara a vida ao amo, que decerto o recompensaria principescamente. Em vez disso, começou a ponderar o que ele poderia pedir como compensação e, por fim, sugeriu que lhe pedisse o cavalo que se encontrava no terceiro lugar do lado direito do estábulo.
Quando o velho regressou e viu que o rapaz acordara, mandou-lhe servir carne e outras iguarias excelentes e vinho com abundância. No final do repasto, perguntou-lhe:
— Que desejas como recompensa, meu rapaz?
— Gostava que me oferecesses simplesmente o cavalo que está no terceiro lugar da direita do teu estábulo, pois tenho um longo caminho a percorrer para regressar a casa.
— Pedes-me uma recompensa muito elevada, pois trata-se da minha melhor égua. Escolhe outra coisa, porque isso não te posso de modo algum dar.
No entanto, o jovem respondeu que só lhe interessava a égua, pelo que Paholainen acabou por ceder. Além disso, ofereceu-lhe uma kantele, um violino e uma flauta, dizendo:
— Se alguma vez estiveres em perigo, toca a kantele. Se não receberes ajuda, toca o violino. Se continuar a não aparecer, basta que toques um pouco a flauta e então o auxílio não deixará de surgir.
O rapaz agradeceu-lhe reconhecidamente, pegou nos instrumentos musicais e partiu montado na água. Passado algum tempo, esta última começou a falar:
— Não deves voltar para casa, pois o teu pai matava-te à pancada. E preferível irmos a uma cidade que conheço, onde seremos bem recebidos.
O jovem reflectiu por um momento, pareceu-lhe um bom conselho e seguiu para a cidade, onde não tardou a ser conhecido por todos os habitantes devido à sua admirável égua, e até o rei se inteirou e desejou certificar-se com os seus próprios olhos. Ao vê-la, quis imediatamente comprá-la e prometeu pagar qualquer preço que o rapaz lhe pedisse. No entanto, ela impediu a transacção recomendando ao dono:
— Não me vendas. Pede-lhe que te contrate como moço de estrebaria e me dê também forragem, e todos os seus cavalos se tornarão exactamente tão belos como eu.
O jovem transmitiu a pretensão ao rei, o qual o recebeu, juntamente com a montada, nas cavalariças reais e lhe concedeu o cargo de moço de estrebaria. Pouco depois, todos os cavalos do monarca apresentavam um aspecto admirável e pareciam muito bem alimentados. No entanto, o moço de estrebaria substituído guardava profundo rancor ao rapaz e procurava uma oportunidade para se vingar. Comunicou ao rei toda a espécie de rumores a respeito dele, mas não foi escutado. Por último, mentiu dizendo que o novo moço de estrebaria se vangloriara de ser capaz de recuperar um magnífico corcel de guerra desaparecido havia alguns anos no bosque. Quando ouviu aquilo, o rei sentiu um desejo intenso de voltar a ter em seu poder um animal que considerava de estimação. Assim, mandou chamar o rapaz e ordenou-lhe que trouxesse o cavalo à sua presença no prazo de três dias, de contrário sofreria as consequências.
O jovem ficou positivamente apavorado e tratou de consultar a égua, a qual desdramatizou a situação.
— Não há qualquer motivo para preocupação. Para já, pede ao rei que te dê cem bois e manda-os reduzir a pedaços. Com isso, empreenderemos viagem e chegaremos a uma fonte da qual surgirá um cavalo, mas não lhe deves tocar. Pouco depois, virá outro, que também rejeitarás. Por fim, aparecerá um terceiro, que capturarás e tratarás de lhes colocar os meus arreios.
O rapaz seguiu as instruções e cavalgou até à fonte, da qual emergiram três cavalos, um após outro, até que escolheu o último e o embridou. No final da operação, a égua voltou a falar:
— Quando sairmos daqui, os corvos de Paholainen tentarão comer-nos. Deves largar os pedaços de carne pelo caminho, todos os que puderes e o mais rapidamente possível, e continuar a cavalgar a toda a velocidade. Se procederes assim, escaparemos certamente às garras dos corvos.
O jovem seguiu novamente o conselho e conseguiu apresentar-se, são e salvo, perante o rei com o cavalo pedido.
No entanto, o antigo moço de estrebaria não desistia de tentar difamá-lo e decidiu referir ao monarca que o seu substituto se vangloriara de conseguir recuperar a rainha, há muito tempo desaparecida. Em face disso, o rei ordenou ao rapaz que a fosse buscar, já que estava seguro de conhecer o seu paradeiro, de contrário teria a morte à sua espera.
Desta vez, o jovem assustou-se a valer e dirigiu-se à cavalariça, para revelar as suas mágoas à égua.
— Agora, tenho de encontrar a esposa do rei! Como o conseguirei, se há tanto tempo que ninguém sabe dela?
— Não te aflijas, que havemos de a encontrar — garantiu-lhe ela. — Dirige-te à mesma fonte do outro dia e atira-me para dentro dela. Voltarei a converter-me num ser humano, pois sou a mulher que precisas de localizar, embora fosse obrigada a viver em casa de Paholainen, convertida em égua.
Que preocupações podiam restar ao rapaz, depois de escutar estas palavras? Dirigiu-se imediatamente à fonte, dentro da qual lançou a égua, que se transformou numa mulher extremamente bela, e regressaram juntos ao palácio. Ao vê-la, o rei alegrou-se tanto, que elogiou o moço de estrebaria diante de toda a corte e ofereceu-lhe valiosos presentes como recompensa.
Mas o rapaz ainda não recuperara o sossego. O antigo moço de estrebaria tomou a mentir ao rei, revelando-lhe que o jovem ameaçara assassinar o monarca e substitui-lo no trono.
Ao ouvir aquilo, este último enfureceu-se tanto que os olhos emitiam chispas e ordenou o enforcamento imediato do suposto conspirador. Como último desejo de um condenado, o rapaz pediu que o deixassem tocar a sua kantele antes de ser executado. Obtida autorização, fê-lo com todas as suas forças. Assim que o instrumento começou a soar, os verdugos puseram-se a dançar. Ele tocou ao longo de todo o dia e as pessoas estavam tão esgotadas de tanto saltar que quase não se podiam mover, pelo que houve necessidade de adiar a execução para a manhã seguinte.
Voltou então a reunir-se uma multidão para assistir ao enforcamento do jovem, o qual pediu que o deixassem tocar pela última vez o seu violino, antes de se despedir definitivamente do mundo, autorização que lhe foi mais uma vez concedida. Mas, logo após as primeiras notas musicais que brotaram do instrumento, o rei e o povo puseram-se a dançar, cena que se prolongou por todo o dia, pelo que a execução foi novamente adiada.
No terceiro dia, dispuseram-se a executar o rapaz de uma vez por todas. Nessa altura, ele rogou que o deixassem tocar a sua flauta. O rei, agora pouco inclinado para o comprazer, argumentou:
— Já me obrigaste a dançar dias inteiros. Se, agora, aceder ao teu novo pedido, terei de o voltar a fazer até morrer. Não! Acabou-se! O momento não é apropriado para bailar. Coloquem-lhe o laço ao pescoço, depressa!
No entanto, o condenado suplicou com tanta humildade, que os fidalgos solicitaram ao monarca:
— Deixai-o tocar um pouco, já que tem de morrer tão jovem! Embora com relutância, o rei consentiu, não sem primeiro ordenar que o atassem a um abeto, para ficar impedido de dançar enquanto soasse a música.
Uma vez atado, indicou ao rapaz que começasse a tocar a flauta, pelo que, pouco depois, todos dançavam com entusiasmo. Por seu turno, o rei movia-se para cima e para baixo contra o tronco do abeto e acabou por ficar com as costas esfoladas e o vestuário reduzido a andrajos. No mesmo instante, o velho Paholainen apresentou-se para ajudar o jovem, ao qual perguntou:
— Que delito cometeste, rapaz, para justificar este espectáculo?
— Nenhum, mas querem enforcar-me com esta corda que tenho em volta do pescoço.
— Com que então, é isso que te querem fazer? — exclamou Paholainen. E pegou na forca, constituída por um tronco de abeto enorme de raízes profundas, e lançou-a pelos ares, tão alto que ninguém a tornou a ver. Em seguida, perguntou ao jovem:
— E agora, quem queres enforcar?
O interpelado apontou para o rei, que continuava atado a outro abeto. O velho pousou as mãos na árvore e lançou-lhe tal maldição, que árvore e homem desapareceram voando em direcção às nuvens, ninguém sabe para onde. Agora, o rapaz deixara de correr perigo e o povo proclamou-o seu novo rei.
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Era uma vez um palácio cujo proprietário tinha um galo velho, que, devido à sua idade avançada, o pessoal da casa não quis continuar a alimentar, pelo que o galo teve de mendigar nas cercanias para se poder sustentar. Mas como dessa forma tão-pouco conseguia obter comida em quantidade suficiente, decidiu regressar a casa. Pelo caminho, cruzou-se com uma raposa, que lhe perguntou:
— Onde vais, meu galozinho?
— Volto para casa, porque nem a mendigar se consegue nada! - respondeu o galo.
— Leva-me contigo.
— Não tenho forças suficientes para poder carregar-te às costas, mas levo-te se te transformares em pulga e te meteres debaixo da minha asa.
A raposa transformou-se, pois, numa pulga e refugiou-se no lugar indicado. O galo reatou a marcha e, mais tarde, deparou-se-lhe um lobo, que perguntou:
— Onde vais, meu galozinho?
— Para casa.
Ao inteirar-se, quis acompanhá-lo a todo o custo, pelo que pediu:
— Leva-me contigo!
— Transforma-te numa pulga e mete-te entre as penas das minhas costas, e levo-te.
O lobo transformou-se numa pulga e o galo introduziu-a entre as penas do dorso.
Depois de percorrer mais um pouco de terreno, encontrou um urso, que também lhe pediu que o levasse. O galo disse-lhe que se transformasse numa pulga e, quando o urso o fez, introduziu-a entre as penas de uma perna.
A seguir, prosseguiu o seu caminho e chegou finalmente ao seu antigo lar, dirigindo-se para o pátio, onde começou a cantar:
Cocorocó! Cocorocó!
O galo tem um esporão dourado!
Mas o amo é um canalha
e para a rua foi mandado!
Ao ouvir isto, o proprietário do palácio ficou furioso e ordenou a um serviçal que matasse o galo. No entanto, o homem condoeu-se dele porque cantava muito bem e recusou cumprir a ordem, argumentando que o repugnava ter de pôr termo à vida da ave.
— Então, leva-o para o estábulo e deixa-o no meio dos cavalos selvagens, que o matarão aos coices — decidiu o rei.
Assim, o galo foi levado para o estábulo, mas não sofreu qualquer ataque, porque, quando os cavalos começaram aos coices, disse simplesmente:
— Sai da minha perna, urso querido, come todos os que quiseres e mata os restantes!
Surgiu imediatamente o urso que se tinha transformado em pulga e ocultado entre as penas de uma das pernas do galo, que comeu todos os cavalos que pôde e matou os outros.
No dia seguinte, o rei apresentou-se no estábulo, a fim de se certificar pessoalmente de que os cavalos tinham esmagado o galo.
Este, porém, que continuava vivo, cantou como na ocasião anterior:
Cocorocó! Cocorocó!
O galo tem um esporão dourado!
Mas o amo é um canalha
e para a rua foi mandado!
Havia no palácio doze touros invulgarmente corpulentos e bravos, pelo que o rei ordenou ao serviçal:
— Atiça os touros contra o galo, para que o trespassem com os chifres. Desta vez, não escapará à morte e poremos termo ao seu irritante cacarejar.
E assim se fez. Mas quando os touros se preparavam para o atacar, o galo extraiu a pulga que se alojava sob as penas das costas, a qual se transformou de novo em lobo, que devorou e degolou os touros, após o que o galo se pôs a cantar como nas outras vezes:
Cocorocó! Cocorocó!
O galo tem um esporão dourado!
Mas o amo é um canalha
e para a rua foi mandado!
O rei, que o ouviu, enfureceu-se e disse aos serviçais:
— Ainda nos restam doze bodes muito ferozes. Levem o galo ao seu estábulo, para que passe lá a noite. Veremos se, desta vez, continuará com o seu cocorocó!
Dito e feito: o galo foi levado ao local indicado e encerraram-no com os bodes, os quais se precipitaram imediatamente para ele, dispostos a atravessá-lo com os chifres. No entanto, o galo sabia perfeitamente o que devia fazer: extraiu de entre as penas a terceira pulga, que se transformou em raposa e os degolou. Deixou-os em tal estado que horrorizava vê-los, e devorou toda a carne que pôde.
Na manhã seguinte, o rei e os serviçais foram ver o resultado do seu estratagema e verificaram que o galo continuava vivo. Mal abriram a porta, a raposa saiu sem que a vissem e partiu com destino desconhecido.
A fúria do monarca foi novamente quase apopléctica, e decidiu:
— Tenho de matar essa maldita ave, seja como for!
E dispôs-se a eliminar o galo com as suas próprias mãos. Por conseguinte, agarrou-o e começou a torcer-lhe o pescoço, mas, já moribundo, o galo disse:
— Não te livrarás de mim nem morto. Voltarás a ouvir a minha voz, mas o teu fim estará então próximo.
Ao escutar estas palavras, o rei disse para consigo: "Tenho de comer este maldito alvorotador! Assim, deixará de cantar para sempre!"
Mandou, pois, assar o galo e organizou um banquete, para o qual convidou todos os fidalgos vizinhos e muitos outros. Na data fixada, sentaram-se em torno da enorme mesa e principiaram a comer. O rei pegou então no galo assado com as mãos, cortou um pedaço e levou-o à boca, dizendo:
— Livraste-te de muitos momentos de apuro em vida, mas agora não voltarás a cantar o teu cocorocó!
Mal pronunciara estas palavras, quando, de repente, o galo assomou a cabeça à boca do rei e entoou como nas outras vezes:
Cocorocó! Cocorocó!
O galo tem um esporão dourado!
Mas o amo é um canalha
e para a rua foi mandado!
Quando os comensais ouviram aquela voz singular proveniente das entranhas do monarca, ficaram de tal modo desconcertados que não tornaram a tocar na comida. Depois de refeito do susto, o rei ordenou aos serviçais:
— Peguem num machado e, se o maldito galo tornar a assomar à minha boca, cortem-lhe a cabeça!
Eles apressaram-se a obedecer e, quando a cabeça da ave voltou a aparecer, pretenderam cortá-la, mas retrocedeu com prontidão e atingiram a do amo, que caiu morto, como o galo predissera. E assim chega este conto ao fim.
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