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Se passares lentamente o rato sobre as palavras com fundo amarelo, verás o seu significado.
Era uma vez um marinheiro chamado Pelle, o qual desde longa data navegava com o mesmo patrão, mas sempre como cozinheiro, apesar de ser muito atilado, trabalhador e estimado por toda a tripulação. O patrão chegou a ter tanta confiança nele, que o deixava administrar as provisões do barco e aceitava tudo o que Pelle considerava conveniente.
Certa ocasião em que navegavam nos mares de Espanha, aconteceu que um marinheiro com o qual Pelle mantinha estreitos laços de amizade caiu pela borda fora e desapareceu nas profundezas do oceano. Não se voltou a saber dele, e Pelle, o Cozinheiro, sentiu-se extremamente amargurado durante muito tempo.
Alguns anos mais tarde, quando navegavam de novo nos mares de Espanha, mais ou menos no local onde o marinheiro desaparecera, Pelle desceu ao camarote do comandante e pediu-lhe que saldasse a sua conta, a qual era muito elevada, pois nunca lhe fizera semelhante exigência em todos aqueles anos. E acrescentou que lhe permitisse abandonar o barco.
O comandante surpreendeu-se e perguntou-lhe porque queria o dinheiro precisamente naquela altura e como tencionava deixar o barco no alto mar. No entanto, Pelle limitou-se a rogar que lhe pagasse e cedesse o bote, para poder içar a vela e afastar-se. Por fim, recebeu as piastras que lhe eram devidas, em número considerável, e a embarcação, com a qual se fez ao mar.
Quando ainda se encontrava à vista do barco que acabava de abandonar, um homem surgiu da água e sentou-se a seu lado sem proferir uma única palavra. Era o amigo que se afogara! Em seguida, quebrou o mutismo para lhe agradecer a sua velha amizade e declarar que desejava recompensá-lo por isso e proporcionar-lhe toda a sorte do mundo. De súbito, apareceu uma baleia enorme, que prendeu uma barbatana ao cabo da vela, após o que arrastou o bote a toda a velocidade. Depois de um longo percurso, chegaram a uma ilha desabitada. Quando Pelle, o Cozinheiro, quis desembarcar, viu que o amigo estava realmente morto, pelo que o sepultou na praia. Por último, internou-se na ilha para se inteirar do que o destino lhe reservava.
Pouco depois, viu uma pequena galeria que se introduzia na terra e enveredou corajosamente por ela. Não tardou a achar-se a uma grande profundidade, atravessou algumas salas magníficas e deparou-se-lhe uma linda princesa, a qual, ao vê-lo, exclamou:
- Infeliz! Porque vieste aqui, onde doze piratas sanguinários me mantêm sequestrada e não tardarão a aparecer? Sou uma princesa. Convém que te faças passar por pirata, de contrário assassinam-te.
Com efeito, os piratas surgiram pouco depois e perguntaram-lhe quem era.
- Um pirata como vocês - replicou Pelle.
- A parte isso, qual é o teu ofício? - insistiram.
- Sou cozinheiro.
Ficou então decidido que ficaria com eles, cozinharia e ajudaria a jovem que haviam recolhido a cuidar da casa. Em seguida, Pelle entregou-lhes voluntariamente a pesada bolsa cheia de piastras.
No dia imediato, os piratas partiram para assaltar os viajantes que faziam escala na ilha. Entretanto, Pelle lamentava profundamente a sorte da princesa, e não tardaram a amar-se e a prometer que se casariam. Ela ofereceu a Pelle metade de um anel em que estavam gravados o seu nome e o do pai, o rei, assim como um lenço que rasgara previamente ao meio, de forma que ficou com a metade que continha o seu nome e parte do do pai.
Posto isto, Pelle, o Cozinheiro, pôs uma panela enorme ao lume, verteu nela uma parte de melaço, outra de rum e um pouco de alcatrão e deixou a mistura cozer. A seguir, colocou na mesa um anker de rum e duas tinas de açúcar. Quando os piratas regressaram, à noite, comunicou-lhes que saíra para roubar e obtivera tudo aquilo, convidando-os para provar o ponche.
- Que é isto? - perguntaram, desconfiados.
Pelle preparou com o rum e o açúcar um ponche saboroso e forte, que os outros beberam e quiseram repetir. Ele comprazeu-os sem cessar, até que ficaram tão ébrios que não se aguentavam de pé.
Serviu-lhes finalmente a sopa de melaço, rum e alcatrão a ferver e fingiu que ia transferir uma parte para os pratos. De súbito, tropeçou propositadamente e verteu em cima dos doze piratas a escaldante mistura. Acto contínuo, matou todos à paulada, foi chamar a princesa e explicou-lhe o que acontecera.
- Agora, estamos livres! - exclamou ela.
Durante algum tempo, Pelle, o Cozinheiro, viveu feliz com ela na ilha, na sumptuosa residência dos ladrões.
No entanto, não queriam continuar ali. A princesa ansiava por regressar ao reino do pai e casar devidamente com Pelle, que agora amava com intensidade. Um dia, chegou à ilha uma embarcação vazia à deriva e Pelle, o Cozinheiro, recolheu todos os seus haveres, a prata e o ouro da gruta dos piratas e transferiu-os para lá. Em seguida, zarparam e navegaram directamente ao reino do monarca que era o pai da princesa. Entraram numa pousada e carregaram os seus tesouros em quatro coches, mas cometeram a imprudência de divulgar as suas aventuras, quando ainda se encontravam a alguns quilómetros da capital.
Dois vagabundos inteiraram-se, assaltaram-nos pelo caminho, espancaram de tal modo Pelle, o Cozinheiro, que ele ficou inanimado na estrada, raptaram a princesa e ameaçaram-na com a morte se se negasse a anunciar ao pai que a tinham salvado. Por último, seguiram, com todos os tesouros, para a corte do rei, onde foram recebidos cordialmente.
Um pouco mais tarde, passou um homem no local em que se conservava Pelle, o Cozinheiro, e levou-o a um médico. Quando se recompôs e soube o que acontecera, ficou horrorizado ante a perspectiva de a princesa ter de escolher marido entre os vagabundos. Mas isso não sucederia enquanto o monarca, que se encontrava gravemente doente, não recuperasse a saúde.
Ora, o médico de Pelle era o seu amigo, o marinheiro morto, o qual o aconselhou a conseguir trabalho na cozinha real e a aguardar o momento oportuno para mexer a sopa do rei com uma colher que lhe entregou. O monarca ficaria curado e tudo se resolveria como Pelle e a princesa desejavam.
- Nada mais posso fazer por ti - concluiu. - Obrigado pela nossa velha amizade, e adeus!
Com estas palavras, desapareceu para sempre.
Entretanto, o rei sentia-se cada vez pior e a princesa cada vez mais aterrorizada, pois os dois vagabundos desfrutavam de honras supremas na corte. Mas nessa altura contrataram Pelle como ajudante de cozinheiro do palácio, e ela exultou quando o reconheceu. Uma vez por outra, deparava-se-lhes o ensejo de conversar a sós. Ele indicou-lhe que convencesse o pai a encomendar ao chefe da cozinha uma sopa que lhe restabelecesse a saúde. A ordem foi transmitida pelo próprio rei ao cozinheiro acompanhada da ameaça de morte, na eventualidade de não ser cumprida, pelo que o homem encarou como um facto inevitável o termo iminente dos seus dias.
Estava desesperado, sem saber o que fazer, e, por fim, revelou tudo a Pelle, porém este aconselhou-o a não se preocupar muito com a sopa destinada a Sua Majestade, pois ele próprio trataria de tudo. O chefe da cozinha duvidava seriamente de que o seu modesto colaborador lhe pudesse salvar a vida, mas deixou-o actuar livremente, e Pelle pôs a panela ao lume.
E o pasmo do homem atingiu o auge ao ver que ele se limitava a utilizar água pura. Quando o relógio badalou o meio-dia e foi necessário levar ao rei a sopa com o resto da refeição, o medo dominava-o de tal forma que não sabia o que fazer. Pelle retirou a panela fumegante do lume, mexeu o conteúdo com a colher oferecida pelo amigo morto e proferiu:
- Oxalá isto cure Sua Majestade!
Quando provou a sopa, o chefe da cozinha sentiu-se como se acabasse de nascer, e foi com confiança crescente que a levou ao quarto do rei. Este, só de aspirar o odor, ficou mais animado. A primeira colherada, encontrou-se muito melhor. A segunda, empertigou-se na cama. A terceira, manifestou o desejo de se levantar, e assim fez. No final, já com o prato vazio, considerou-se restabelecido e perguntou ao chefe da cozinha se confeccionara a sopa.
- Não, Majestade - replicou o homem. - Esta obra-prima é da autoria de um dos meus ajudantes.
O monarca mandou chamar Pelle, o Cozinheiro, e nomeou-o encarregado de pôr a mesa, além de lhe entregar uma generosa recompensa. Assim, ele disporia de mais oportunidades de se encontrar com a princesa. No entanto, como o pai recuperara a saúde, ela tinha de escolher um dos dois vagabundos para esposo. Ao mesmo tempo, era cada vez maior a consideração do rei por Pelle, o Cozinheiro, e nomeou-o copeiro real - aquele que se postava atrás da cadeira do monarca e lhe servia o vinho. Pouco antes da data para a princesa se decidir, realizou-se um sumptuoso banquete e, no momento em que teve de servir o vinho ao rei, Pelle depositou o seu meio anel na taça de ouro, sem que ninguém se apercebesse. Ao levá-las aos lábios, o monarca ouviu um ruído metálico, pegou no pequeno objecto e viu que tinha gravado metade do seu nome e o da filha, pelo que perguntou à jovem o que acontecera à outra metade.
Ela não se pôde conter mais tempo e descreveu todo o seu infortúnio e aventuras: Pelle, o Cozinheiro, copeiro do rei, salvara-a das mãos dos piratas e os dois vagabundos naquele momento sentados à mesa real, cada vez mais embaraçados, tinham-na obrigado a revelar uma versão diferente, ameaçando-a de morte.
O rei levantou-se quase de um salto e mandou encerrar estes últimos na torre, onde aguardariam o merecido castigo. A princesa mostrou a sua metade do lenço e Pelle, o Cozinheiro, imitou-a. O monarca ficou tão eufórico, que abraçou a filha e concedeu-a em matrimónio ao honrado ajudante de cozinheiro. Quando ele morreu, Pelle herdou todo o reino e aquilo que lhe pertencia, e viveu feliz com todas as honras de uma longa existência.
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Não muito longe do monte Baals, na paróquia de Filkestad, província de Villand, há uma colina, onde antigamente vivia um gigante que se chamava Stompe Pilt.
Certo dia, apareceu um cabreiro com as suas cabras na colina onde o gigante vivia.
- Quem está ai? - gritou Stompe Pilt, emergindo da colina enfurecido, com uma pederneira na mão.
- Sou eu esse por quem perguntas - replicou o pastor, conduzindo os animais para lá.
- Se te aproximas, trituro-te como a esta pedra - rugiu o outro, reduzindo-a a areia entre os dedos.
- Nesse caso, eu espremo-te toda a água que tens dentro tal como a esta pedra.
E o cabreiro puxou de um pedaço de queijo fresco e apertou-o de tal modo que a água escorreu entre os dedos.
- Não tens medo? - estranhou o gigante.
-De ti, não.
- Então, vamos ter de lutar.
- Por mim, não há inconveniente, mas primeiro temos de nos insultar, como é da praxe, até ficarmos realmente furiosos, pois com os insultos vem a cólera e, com ela, passa-se a vias de facto.
- Eu insulto-te primeiro - decidiu o gigante.
- De acordo, mas depois serei eu a insultar-te - salientou o pastor.
- Oxalá fiques com o nariz aquilino!
- Oxalá te transformes num demónio voador! - retorquiu, disparando com o arco uma flecha muito pontiaguda, que se cravou no ventre do antagonista.
- Que foi isso? - quis saber este último.
- Um insulto.
- Porque tem penas?
- Para poder voar.
- E porque se segura com tanta firmeza?
- Porque criou raízes dentro do teu corpo.
- Tens mais insultos destes?
- Aí vai outro - anunciou o pastor, disparando nova flecha.
- Ai, que dói muito! - uivou Stompe Pilt. - Não estás suficiente mente furioso para podermos começar a lutar?
- Ainda não te insultei bastante - declarou o cabreiro, colocando uma terceira flecha na corda do arco.
- Então, leva as tuas cabras a pastar onde quiseres! Se não suporto os teus insultos, o que será quando começares com os ataques? - vociferou o gigante, correndo para o seu esconderijo no topo da colina.
Deste modo, o pastor venceu o embate por ser corajoso e não se acobardar perante o ingénuo gigante.
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Era uma vez um homem e uma mulher que viviam no campo e eram tão horrivelmente pobres que apenas possuíam uma vaca. Um dia, a mulher disse ao marido que a fosse vender.
Pelo caminho, ele cruzou-se com um velho que lhe perguntou se queria vender a vaca e quanto pedia por ela. O outro respondeu que não sabia, pois dependia do que lhe oferecessem.
- Nesse caso, dá-ma - indicou o velho. - Em troca, receberás uma panela, mas não te arrependerás da troca.
O homem aceitou a panela e regressou a casa. Quando a mulher se inteirou de que só conseguira aquilo pela vaca, ficou furiosa e increpou-o violentamente por se ter deixado ludibriar. Indignada, pegou na panela, que era particularmente fina e bonita, e atirou-a para o canto mais sujo da casa. Durante a noite, não conseguiu conciliar o sono, desgostosa por ter perdido a sua única vaca. De súbito, ouviu a panela dizer:
- Agora, vou-me embora.
- Sim, desaparece, panela azarenta! - grunhiu ela, e no momento imediato viu-a encaminhar-se para a porta.
A panela seguiu até um palácio de caça próximo e postou-se diante da cozinha. De manhã, quando os cozinheiros apareceram, exclamaram:
- Mas que panela tão bonita! Vai-nos ser muito útil, pois temos poucos utensílios de cozinha.
Levaram-na para dentro, verteram-lhe água e juntaram uma grande quantidade de carne e toucinho. Quando estava completamente cheia, a panela anunciou:
- Agora, vou-me embora.
Desapareceu imediatamente e foi parar à mesa do casal pobre.
Marido e mulher compreenderam então que se tratava de um autêntico tesouro e já não se arrependiam de a ter recebido em troca da vaca. Comeram e, durante muitos dias, tudo lhes correu pelo melhor. Ela lavava a panela com tanto cuidado, que cada vez apresentava melhor aspecto. Uma noite, ouviu-a dizer de novo:
- Agora, vou-me embora.
E a mulher respondeu:
- Sim, vai, minha querida panela!
Esta partiu e desta vez colocou-se diante da porta do salão do palácio. Quando as serviçais que limpavam as pratas a viram, levaram-na consigo e meteram dentro toda a espécie de objectos daquele metal. De repente, a panela anunciou:
- Agora, vou-me embora.
Pouco depois, aparecia no quarto do homem e da mulher, os quais se surpreenderam sobremaneira por existir uma riqueza tão imensa e, em particular, por haver chegado até eles. De uma assentada, libertavam-se de toda a miséria e preocupações.
Durante muito tempo, a panela permaneceu em cima da melhor mesa da casa, sempre com uma toalha lavada por baixo. Uma noite, voltou a dizer «Agora, vou-me embora» e foi postar-se diante dos aposentos do rei. O criado, ao ver o bonito utensílio abandonado, levou-o para o gabinete do monarca. Na altura, celebrava-se uma festa grandiosa, com baile e a presença do rei, porém este sentiu-se indisposto e refugiou-se no gabinete e, ao ver a panela, supôs que a tinham colocado aí para satisfazer as suas necessidades.
Mas quando se preparava para a utilizar, ouviu-a dizer «Agora, vou-me embora», partindo velozmente e só se detendo ao encontrar-se no quarto do velho casal. No entanto, o rei seguira-a a correr e, estarrecido, viu-a desfazer-se em pedaços, assim que se deteve.
Quando se recompôs do susto, pediu aos dois camponeses que lhe obtivessem quanto antes um cavalo para poder regressar ao palácio. Prometeu que, se não contassem a ninguém a sua aventura, mandaria construir uma casa para eles. E assim foi.
O casal viveu ainda muitos anos feliz em toda aquela abundância, que devia agradecer, única e exclusivamente, à caritativa panela mágica.
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Era uma vez um príncipe e uma princesa que se amavam muito. Ela era terna, linda e muito estimada por todos, embora mais propensa à diversão e ao jogo que às actividades do lar.
O facto parecia não ser do agrado da velha rainha, pelo que declarou que não queria ter como nora uma mulher que não fosse tão activa como ela fora na juventude, e opôs-se de todas as formas e maneiras possíveis ao casamento do príncipe.
Como a rainha não queria voltar com a palavra atrás, o príncipe procurou-a e pediu que o deixasse pôr a noiva à prova, para verificar se era tão activa no trabalho como ela tinha sido. O pedido pareceu a todos muito arrojado, pois a mãe do príncipe continuava a ser uma mulher infatigável, que passava dia e noite a fiar, coser e tecer, de tal modo que ninguém a conseguia igualar. No entanto, consentiu finalmente que se cumprisse a vontade do príncipe. Assim, conduziram a bela princesa à sala das mulheres e a rainha enviou-lhe vinte libras de linho para que o fiasse, tarefa que devia estar concluída antes do amanhecer, de contrário nem pensar na possibilidade de receber o príncipe por esposo.
Quando ficou só, a princesa sentiu-se muito mal. Sabia perfeitamente que não poderia fiar o linho da rainha e, por outro lado, não queria perder o jovem príncipe, que tanto a amava. Por conseguinte, dava voltas pela sala, chorando ininterruptamente. De súbito, a porta abriu-se devagar para dar passagem a uma velha muito pequena, de aspecto assaz estranho, com uns pés enormes que causariam estranheza a quem a visse. Saudou a princesa com as palavras:
- Paz de Deus!
- A paz de Deus seja contigo!
- Porque está tão triste esta noite a bela donzela?
- Não hei-de estar, se a rainha me ordenou que fiasse vinte libras de linho? Se não terminar o trabalho antes do amanhecer, perderei o meu amado príncipe!
- Consola-te, bela donzela! Se é apenas isso, posso ajudar-te. Mas tens de me conceder o desejo que passo a comunicar-te.
Ao ouvir isto, a princesa sentiu-se invadida por uma enorme alegria e perguntou em que consistia esse desejo.
- Bem, chamo-me Storfota-mor e a única recompensa pela minha ajuda limita-se a estar presente na tua boda. Não assisto a uma desde que a rainha, tua futura sogra, foi a noiva.
Concedeu-lho de bom grado e a seguir separaram-se. A princesa deitou-se, mas não conseguiu pregar olho em toda a noite, que lhe pareceu eterna.
De madrugada, antes que rompesse o dia, a porta abriu-se e a velha reapareceu, para se aproximar da princesa e entregar-lhe um novelo de fio tão branco como a neve e fino como uma teia de aranha.
- Não fiava um novelo tão lindo como este desde que o fiz para a rainha, quando ia casar - informou. - Mas já lá vai muito tempo.
Em seguida, retirou-se e a princesa mergulhou num sono leve e reparador. Mas não tinha passado muito tempo, quando a rainha a acordou a perguntou se havia completado a tarefa. Ela respondeu que sim e entregou-lhe o novelo. Assim, a rainha teve de se considerar satisfeita, embora fosse evidente que o fazia com relutância.
Quando amanheceu, a rainha disse que queria submetê-la a outra prova. Enviou o novelo à sala das mulheres, juntamente com o tear e todos os apetrechos necessários, e ordenou à princesa que o tecesse. O tecido devia estar terminado antes do nascer do Sol, de contrário escusava de pensar sequer em casar com o jovem príncipe. Quando ficou só, a princesa voltou a sentir-se amargurada, pois sabia que não conseguiria cumprir a nova tarefa, apesar de não querer perder o príncipe, que tanto amava. Desmoralizada, movia-se de um lado para o outro, chorando amargamente, quando a porta se abriu para dar passagem a uma velha muito pequena, de aspecto estranho e semblante ainda mais invulgar. Além disso, o seu traseiro era tão grande que quem o visse teria forçosamente de ficar abismado. Saudou-a com as palavras:
- Paz de Deus!
- A paz de Deus seja contigo!
- Porque está tão triste e preocupada a bela donzela?
- Não hei-de estar, se a rainha me ordenou que tecesse este novelo? Se não o fizer antes de raiar o dia, perderei o príncipe, que tanto me ama.
- Se é apenas isso, posso ajudar-te. Mas com a condição que passo a comunicar-te.
Ao ouvir isto, a princesa foi invadida por uma enorme alegria e perguntou em que consistia esse desejo.
- Bem, chamo-me Storgumpa-mor, e a única recompensa pela minha ajuda limita-se a estar presente na tua boda. Não assisto a uma desde que a rainha, tua futura sogra, foi a noiva.
Concedeu-lho de bom agrado e a seguir separaram-se. A princesa deitou-se, mas não conseguiu pregar olho em toda a noite, que lhe pareceu eterna.
De madrugada, antes que rompesse o dia, a porta abriu-se e a velha reapareceu, para se aproximar da princesa e entregar-lhe um tecido tão branco como a neve e tão delicado como uma pele.
- Não tinha voltado a tecer nada como isto desde que o fiz para a rainha, quando se ia casar. Mas já lá vai muito tempo.
Com estas palavras, a velha retirou-se e a princesa reconfortou-se com um sono agradável, embora de curta duração, pois não passara muito tempo quando a rainha a acordou e perguntou se concluíra a tarefa.
A princesa respondeu que sim e entregou-lhe o lindo tecido. A rainha viu-se forçada a considerar-se satisfeita pela segunda vez, embora fosse evidente que o fazia com relutância.
A princesa supunha que não teria de se submeter a mais provas, porém a rainha não era da mesma opinião. Um pouco mais tarde, mandou entregar o tecido à sala das mulheres, com a recomendação de que confeccionasse com ele camisas para o noivo. Deviam estar prontas antes do nascer do Sol, de contrário a princesa escusava de pensar em casar com o príncipe.
Quando voltou a encontrar-se só, a princesa sentiu-se muito amargurada. Sabia que não conseguiria completar o encargo, mas não queria perder o príncipe, que tanto amava. Desmoralizada, movia-se de um lado para o outro, chorando copiosamente, quando a porta se abriu para dar passagem a uma mulher muito pequena e velha, de aspecto assombroso e um semblante ainda mais singular, com um polegar tão incrivelmente grande que deixaria qualquer observador estupefacto.
- Paz de Deus! - saudou.
- A paz de Deus seja contigo! - replicou a princesa.
- Porque está tão triste e só a bela donzela?
- Não hei-de estar, se a rainha me ordenou que cosa com esta tela de linho camisas para o príncipe? Se não o faço antes de amanhecer, perco o meu noivo que tanto me ama.
- Consola-te, bela donzela. Se é só isso, posso ajudar-te. Mas com uma condição que passo a expor.
Ao ouvir estas palavras, a princesa alegrou-se enormemente e quis saber qual era a condição.
- Bem, chamo-me Stortumma-mor e apenas quero a recompensa de assistir à tua boda. Não presencio nenhuma desde que a rainha, tua sogra, foi a noiva.
A princesa concedeu-lhe de bom grado o desejo e a seguir separaram-se e ela deitou-se e dormiu tão mal que nem sequer sonhou com o noivo.
De madrugada, antes do nascer do Sol, a porta abriu-se e surgiu de novo a velha, que se aproximou da princesa, acordou-a e entregou-lhe umas camisas, cosidas e bordadas com tanta arte, que seria impossível encontrar outras iguais.
- Não cosia camisas tão boas como estas desde que o fazia para a rainha - declarou a mulher. - Mas já lá vai muito tempo.
Posto isto, desapareceu, pois acabava de chegar a rainha para saber se as camisas estavam prontas. A princesa respondeu que sim e entregou-lhas. Em face disso, a rainha enfureceu-se tanto, que os olhos emitiram chispas, mas reconheceu:
- Está bem, ele é, teu! Não pensei que pudesses ser tão rápida.
- E retirou-se, batendo com a porta tão violentamente, que o som retumbou em todo o palácio.
O príncipe e a princesa podiam finalmente casar, como a rainha prometera, pelo que se iniciaram os preparativos dos esponsais.
No dia estipulado, a princesa não estava especialmente contente, pois não sabia se as suas singulares convidadas apareceriam. Chegado o momento, a boda celebrou-se, segundo a antiga tradição, com prazer e alegria, mas por mais que ela olhasse para todos os lados não descortinava nenhuma mulher idosa. Por fim, quando os convidados tinham de se sentar à mesa, deu-se conta da presença das três, que ocupavam outra a um canto da sala. Ao avistá-las, o rei perguntou de quem se tratava, pois via-as pela primeira vez, e a mais velha informou:
- Chamo-me Storfota-mor e tenho os pés tão grandes pelo muito que fiei na minha vida.
- Nesse caso - replicou o monarca -, é conveniente que a minha nora não tenha de voltar a fiar.
A seguir, dirigiu-se à segunda mulher e perguntou-lhe o motivo do seu singular aspecto.
- Chamo-me Storgumpa-mor e tenho o traseiro tão grande pelo muito que teci na minha vida - foi a resposta.
- Nesse caso - decidiu o rei -, é também conveniente que a minha nora não tenha de voltar a tecer.
Quando se voltou para a terceira velha e lhe perguntou quem era, Stortumma-mor levantou-se e explicou que tinha um dos polegares tão grande devido ao muito que cosera ao longo da sua vida.
- Nesse caso - concluiu ele -, é igualmente conveniente que a minha nora não tenha de voltar a coser.
E assim foi. A bela princesa recebeu a mão do príncipe e ficou eximida para toda a vida de fiar, tecer e coser.
No final da boda, as avozinhas partiram. Ninguém viu que rumo tomaram, nem se sabia de onde tinham vindo. No entanto, o príncipe viveu satisfeito e feliz com a esposa e tudo decorreu com muito mais calma e tranquilidade, pois a princesa não era tão activa como a exigente e severa rainha.
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Era uma vez um homem tão malicioso e irritável, que lhe parecia sempre que a esposa não fazia o suficiente e, como trabalhava no campo, ela tinha de lhe levar a comida. Mas, como estava muito atarefada, um dia não conseguiu chegar à hora habitual, o que enfureceu o homem.
- Não te insurjas tanto, meu querido amigo - retorquiu a mulher. - Amanhã, inverteremos as posições. Ficarás em casa entretido com a faina doméstica e eu virei trabalhar no campo.
Ele concordou que era uma boa ideia. Na manhã seguinte, ela partiu para o campo e o marido iniciou as tarefas do lar. Primeiro, tinha de fazer manteiga. No entanto, havia algum tempo que batia o leite, quando teve sede e desceu à cave para se servir de uma cerveja da pipa. Enquanto o fazia, ouviu que o porco entrara na cozinha, onde se encontrava a vasilha da manteiga, pelo que subiu a escada apressadamente, ainda com o espicho da pipa na mão. Quando chegou à cozinha, viu que o animal derrubara o recipiente e entornara toda a nata. Acto contínuo, perseguiu-o e, esquecendo-se do objecto pontiagudo que empunhava, atingiu-o na cabeça com tal violência que o matou. Naquele momento, tornou a lembrar-se da barrica e regressou apressadamente à cave, mas já se entornara toda a cerveja.
Dirigiu-se a uma leitaria próxima, onde comprou tanta nata, que pôde começar de novo a fazer manteiga. Pouco depois, lembrou-se de que a vaca ainda se encontrava no estábulo e, apesar de o Sol já ir alto no céu, ainda não comera nem bebera nada. Todavia, como tinha muita pressa para fazer a manteiga, não dispunha de tempo para levar a rês ao prado. Mas sabia que crescia erva no telhado do estábulo, pelo que lhe ocorreu a ideia de a fazer subir para lá. Para tal, colocou uma tábua larga inclinada, convencido de que bastaria para o que pretendia. Antes, porém, tinha de a levar a abrevar. Não se atrevia a abandonar a vasilha da manteiga, pois o filho de tenra idade encontrava-se nas cercanias, e ele temia que o entornasse. Assim, pegou no recipiente, colocou-o às costas e foi ao poço buscar água para a vaca. Mas quando se inclinou a nata escorregou-lhe pelas costas e tombou no poço.
Faltava pouco para o meio-dia, e a manteiga continuava por fazer. Levou a vaca para o telhado e foi à cozinha fazer sêmola. No entanto, enquanto se dedicava a essa tarefa, lembrou-se de que o animal podia precipitar-se no chão e sofrer fracturas irreparáveis. Por conseguinte, muniu-se de uma corda, atou uma ponta à vaca, enfiou a outra na chaminé e depois prendeu-a a uma das suas pernas, convencido assim de que, se o animal caísse, o poderia içar de novo. E, com efeito, a vaca caiu do telhado. Ele puxou-a através da chaminé até que a corda se prendeu, e ela ficou a oscilar entre o céu e a terra.
Entretanto, havia sete longas horas que a mulher aguardava que ele a fosse chamar para almoçar. Por fim, impacientou-se e resolveu regressar a casa. Quando chegou, viu a vaca suspensa de uma corda e tratou de cortar esta última. Acto contínuo, o marido caiu pela chaminé e mergulhou na panela da sêmola.
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Um galo e uma galinha foram, um dia, apanhar nozes. Mas ele ficou com uma presa na garganta, correndo o risco de se asfixiar. Sem perda de um instante, a galinha correu em direcção a uma fonte e disse:
- Dá-me água, fonte querida! E para o galo, que está a asfixiar-se.
E a fonte respondeu:
- Vai à tília e traz-me folhas!
A galinha correu para a árvore indicada e disse:
- Dá-me folhas, tília querida! São para a fonte, que me dará água para o galo, que está a asfixiar-se.
Mas a tília respondeu:
- Procura a donzela e traz-me uma fita.
A galinha procurou a donzela e disse-lhe:
- Dá-me uma fita, donzela querida! E para a tília, que me dará folhas, que darei à fonte, que me dará água para o galo que está a asfixiar-se.
Mas a donzela replicou:
- Procura o sapateiro e traz-me uns sapatos.
A galinha procurou o sapateiro e disse-lhe:
- Dá-me uns sapatos, sapateiro querido! São para a donzela, que me dará uma fita, que darei à tília, que me dará folhas, que darei à fonte, que me dará água para o galo, que está a asfixiar-se.
- Procura a porca e traz-me algumas cerdas - disse o sapateiro.
A galinha correu para lá e pediu:
- Dá-me algumas cerdas, porca querida! São para o sapateiro, que me dará uns sapatos, que darei à donzela, que me dará uma fita, que darei à tília, que me dará folhas, que darei à fonte, que me dará água para o galo, que está a asfixiar-se.
- Vai ao celeiro e traz-me palha! - disse a porca.
A galinha assim fez e pediu:
- Dá-me palha, celeiro querido! E para a porca, que me dará algumas cerdas, que darei ao sapateiro, que me dará uns sapatos, que darei à donzela, que me dará uma fita, que darei à tília, que me dará folhas, que darei à fonte, que me dará água para o galo que está a asfixiar-se.
- Bem, aqui tens um pouco de palha - disse o celeiro.
Em seguida, a porca deu-lhe algumas cerdas, o sapateiro uns sapatos, a donzela uma fita, a tília folhas e a fonte água.
Mas quando a galinha chegou onde o galo ficara, este estava morto, pelo que teve ela de beber toda a água.
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