- Um homem tinha muitos filhos, e já todos os homens da freguesia eram seus compadres.
- A mulher alcançou outra vez e pronta estava para parir. O homem, que não queria pedir a mais ninguém, abalou de casa.
- Encontrou no caminho um homem muito desfigurado, que lhe perguntou aonde ele ia.
- Ele contou-lhe, e o homem disse-lhe que voltasse para trás, que ele era o seu padrinho.
- Assim foi.
- Quando acabou o baptizado, o homem disse:
- — Compadre, repare bem para mim, para me conhecer onde quer que me encontrar. Eu sou a Morte. Tu muda de casa e faz-te médico, que hás-de ganhar muito dinheiro. Em tu me vendo aos pés da cama de qualquer doente, é porque ele escapa. Em tu me vendo à cabeceira, é porque ele morre.
- O homem assim fez; começou a ter muita fama e ganhava muito dinheiro e já estava muito rico mais os filhos.
- Num dia a Morte chegou-se ao pé dele e disse-lhe:
- — Bem, agora já te fiz rico, mas hoje chegou a tua vez e venho matar-te.
- O homem pediu muito que o deixasse viver mais um ano.
- A Morte consentiu.
- O homem então mandou fazer uma torre de bronze, com as paredes muito grossas, para a Morte lá não entrar.
- Quando o ano estava quase a acabar, ele mandou fazer um anel de ouro, meteu-o no dedo e fechou-se na torre.
- Estava lá a jantar, e apareceu-lhe a Morte ao pé dele.
- Ele, muito assustado, perguntou-lhe:
- — Ó comadre Morte, tu por onde é que entraste?
- A Morte disse que pelo buraco da fechadura.
- Ele então disse-lhe:
- — Já que tu te meteste pelo buraco da fechadura, hás-de meter-se pelo buraco desta cabaça.
- A Morte meteu-se e ele tapou a cabaça com uma rolha e disse à Morte:
- — Agora sai daí para fora se és capaz.
- A Morte disse-lhe:
- — Ó compadre, pois eu fiz-te tanto benefício, e tu agora queres-me aqui deixar dentro desta cabaça? Tira-me a rolha, que eu não te faço mal.
- O homem tomou a perguntar-lhe se ela não lhe fazia mal.
- A Morte disse que não.
- Ele destapou a cabaça e, ao tempo que destapou, caiu, mas não morto, e a Morte roubou-lhe o anel.
- Ele disse:
- — Ó comadre, então tu prometeste-me que não me matavas, e agora queres-me matar. Deixa-me ao menos rezar um Padre-Nosso e uma Ave-Maria pela minha alma.
- A Morte consentiu.
- Ele que fez?
- Começou a rezar o Padre-Nosso até ao meio e depois tornava a começar.
- De modo que a Morte não o podia matar.
- O homem então saiu da torre e começou outra vez na sua vida.
- Um dia andava ele à caça e a Morte fingiu-se de morta no meio do monte.
- O homem chegou e, julgando que era um homem morto, disse:
- — Ah! Pobre homem, quem te matou? Deixa-me ao menos rezar um Padre-Nosso e uma Ave Maria pela tua alma.
- Rezou, mas ao tempo que acabou, a Morte levantou-se e matou-o.
Consiglieri Pedroso, in Contos Populares Portugueses